CONSUELO DE PAULA



FESTA DA CONGADA NO SUDOESTE MINEIRO

Por Consuelo de Paula       

Eles fazem suas caixas preparando o couro de boi e as bordas de madeira. Talham um pedaço de pau e já têm as baquetas. As roupas de marinheiros, brancas, azuis, verdes e amarelas, são decoradas com faixas e fitas. Sobre a cabeça, levam "quepes" ou chapéus, com ou sem longas fitas de cetim. São os congadeiros da minha região, sudoeste de Minas Gerais, São Sebastião do Paraíso, Itamogi, Pratápolis, Itaú de Minas, Fortaleza de Minas, Passos etc, que geralmente trabalham na roça durante o ano todo e, em dezembro, se transformam em capitães, sanfoneiros, violeiros, pandeiristas, dançarinos, congadeiros. Vão compor o seu terno (o conjunto, o grupo).   

Em Pratápolis existe um terno que, além da toada de congo, toca a mazurca e um outro rítmo de bailado. Vestem roupas coloridas, avermelhadas e têm coroa de penas sobre a cabeça. Bailam alto. E vestem sainhas como os moçambiqueiros.   

Os moçambiqueiros, ou maçambiqueiros, fazem suas gungas preparando latinhas que vão conter muitos chumbinhos e, do couro e da madeira, fazem um grande tambor que os acompanhará até o altar da igrejinha de Nossa Senhora do Rosário. Aliás, são os únicos que podem entrar na igreja. Entram tocando, bailando, cantando e saem olhando para o altar, nunca dão as costas para a santa. Vestem roupas claras, brancas, sainhas e gungas amarradas ao tornozelo. Sua rítmica é mais complexa, diferente das toadas que, por sua vez, são imponentes e elegantes.   

O povo destas cidades faz promessa  pra Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, Santa Catarina, Santa Maria Madalena e, durante a festa da congada, pede pra que algum terno de congo ou moçambique vá até a sua residência e o leve,  vestido de rei ou rainha, com capa de cetim azul claro e coroa, acompanhado por uma pessoa que  segura uma sombrinha ou guarda-chuva aberto, até a igreja. Lá, cumpre sua promessa e segue novamente, caminhando atrás do terno, que vai até a casa do penitente  para completar  a função.    

O bom da história é que neste leva e trás, por promessa ou por paixão, os congadeiros vão tocando suas caixas e pandeiros, bailando e, principalmente, cantando. O capitão "puxa" os versos e improvisa pra que tudo se cumpra.   

Nasci e vivi em Pratápolis até os meus dezoito anos e, sempre que ouço o som da congada, meu coração se transforma. No dia oito de dezembro, as sete bandeiras sobem com os mastros (cada bandeira com o seu santo). Depois, do dia vinte e cinco  ao dia trinta e um de dezembro, acontece a festa. No dia primeiro de janeiro, os congadeiros descem as bandeiras na presença do rei congo perpétuo e de sua rainha.    Em São Sebastião do Paraíso há um congódromo com um desfile muito animado.    Em Itamogi, durante os dias de festa, todos comem num mesmo lugar. Muita comida é feita e a cidade, assim como qualquer visitante, pode matar a sua fome de comunhão. Foi em Itamogi que vi o capitão de um moçambique fazer o sinal da cruz com as mãos em sincronia com a sua dança, mostrando-me seu jeito de corpo tão especial e polirrítmico.    Em Passos, existe o terno dos Jerônimos, negros lindos, todos da mesma família, que tocam um forte bailado e cantam: "na janela eu tenho papagaio, na gaiola eu tenho piriquito; esse verso é do meu velho pai, é herança de São Benedito."    

Em Itaú de Minas (que é terra de folia de reis), há um lindo terno de marinheiros que cantam e dançam com muita classe e clareza.    Contei aqui um pouco do que vi, dentro da perspectiva de uma simples admiradora. Assim, pra finalizar, citarei palavras retiradas do livro "Civilização e Cultura" do Câmara Cascudo: "a pesquisa do popular é aquela que revela a contemporaneidade no milênio, o presente da antigüidade, as formas pretéritas vivas na diuturnidade do exemplo." "Vamos na mais pura macieza, vamos na maior delicadeza."  

Consuelo de Paula.  

Consuelo de Paula é cantora, compositora e produziu o CD "Samba,Seresta & Baião.













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