Tambores e flores de Consuelo de Paula

A cantora e compositora mineira faz shows amanhã e depois, no Crowne Plaza, e apresenta o repertório de seu segundo trabalho Consuelo de Paula constrói, no novo CD, uma viagem que procura encontrar o lugar que seja comum a todos na maneira de sentir e cantar o Brasil.

Por Mauro Dias


Consuelo de Paula apresenta, amanhã e domingo, no Teatro Crowne Plaza, o repertório de seu novo disco, Tambor e Flor. É um trabalho independente, como foi o primeiro CD da cantora, compositora e instrumentista, Samba, Seresta e Baião, lançado em 1998.

Como no anterior, Consuelo é responsável, no novo trabalho, pela concepção dos arranjos (executados pelo também diretor musical Mário Gil), pela produção e pela direção artística, além de ser autora ou co-autora de várias das canções e adaptadora de Moro na Roça, domínio público, conforme apresentado por Clementina de Jesus, Zagaia e Xangô da Mangueira.

Xangô da Mangueira foi antes da Portela, que fundou, nos anos 30, ao lado de Paulo da Portela. Na Mangueira, foi o puxador oficial do samba-enredo até 1951, quando passou o bastão para Jamelão, que ocupa o cargo até hoje.

Cantava Moro na Roça acompanhando-se ao pandeiro.

O partido alto Moro na Roça foi um de seus grandes sucessos. A mineira Consuelo também canta acompanhada de pandeiro (a cargo de Cássia Maria). O violão de Mário Gil faz comentários - mas não são comentários de samba. Nem o pandeiro é de samba. O partido ganha nuances de toada. O clima é de folia de Reis.

Nascida em Pratápolis, interior de Minas, Consuelo de Paula cresceu participando das congadas e folias de sua terra. Seus dois discos têm a imensa pretensão, plenamente realizada, de aproximar os cantos brasileiros (entenda-se em todos os sentidos) não necessariamente pelas possíveis semelhanças estilísticas, mas pelo que refletem de uma certa maneira de sentir a terra, de tocá-la.

Assim, em Samba, Seresta e Baião, convivem a música do pernambucano Antônio Nóbrega, do carioca e portelense Mauro "Bolacha" Duarte, da mãe-do-choro Chiquinha Gonzaga e o canto dos congadeiros de Pratápolis. Em Tambor e Flor, Consuelo desce o São Francisco em melodia do violonista ribeirinho pernambucano Elson Fernandes (no disco Velho Chico - Uma Viagem Musical, de Elson, Consuelo canta em interpretação paradigmática O Ciúme, de Caetano Veloso, canção que tem o rio como personagem), dança no terreiro maranhense de Dona Tetê e ou no alagoano de Mestra Virgínia e, mais uma vez, faz soar o couro dos congadeiros de Pratápolis, na vinheta Cinco Estrelas: "Lá no céu tem cinco estrelas/ Todas cinco encarriadas/ Duas minhas, duas tuas/ Uma é da madrugada."

Cabe no roteiro o Rouxinol paraense de Waldemar Henrique e João de Jesus Paes Loureiro e os cantos de congadeiros de Poços de Caldas - em tempo de guerra - e do terno do jerônimo de Passos, como também o dos moçambiqueiros de Sete Lagos, versos enfeixados em Rainha (Tema da Cachoeira): Consuelo costura os cantos diversos em rica melodia que assina.

Resume, de certa forma, a convição de que um só sotaque sentimental move a brasilidade em Samba, Seresta e Baião (é título do primeiro CD, mas a canção só aparece no segundo): "Samba, me dá abrigo/ Tu que és o próprio País."

Seja o que for brasilidade, ou brasileiridade, aquilo que Villa-Lobos sintetizou na famosa ária das Bachianas e no Trenzinho do Caipira.

Consuelo de Paula é farmacêutica. Largou vida acertada na terra natal e migrou para São Paulo, pela música e para ela. Apresentou o projeto do primeiro disco a meio mundo. Depois de nãos diversos, resolveu fazer o CD ela mesma. Aprendeu a produzir e vendeu o trabalho nos shows. Em 2000, reeditou Samba, Seresta e Baião pela gravadora Dabliú.

É uma artista de sucesso e de referência. O lançamento de Tambor e Flor, disco de estrutura aparentemente simples (violão, voz, tambores, ganzás), um grande acontecimento, reafirma a integridade artístitica da grande intérprete e dá mais um passo em direção à excelência.


Consuelo de Paula. Amanhã, às 21 horas; e domingo, às 20 horas. R$ 7,50 (estudantes) e R$ 15,00. Teatro Crowne Plaza. Rua Frei Caneca, 1.360, tel. 289-0985.

O Estado de São Paulo, 31 de maio de 2002