Consuelo de Paula confirma talento em seu "Tambor & Flor".
Retomada delicada dos temas da Cultura Popular Brasileira

Por Kiko Ferreira

Simplicidade
Com poucos elementos Consuelo se firma como referência.

Um dos mais elogiados discos de música popular do final da década passada, Samba, Seresta e baião, da cantora e compositora Consuelo de Paula, lançado em 1998 e relançado no ano passado, ganha continuidade à altura.

Seu segundo CD, Tambor & Flor, mantém a proposta do anterior, de criar uma moldura delicada para uma mistura de tradição popular e despojamento quase minimalista na releitura de ritmos e Gêneros brasileiríssimos, gulados por voz límpida e despida de maneirismos e instrumental econômico.

Valorizando cada vez mais, a beleza das melodias que recria ou inventa, Consuelo desta vez abandona cavaquinho, bandolim, baixo e acordeon e concentra o foco num misto essencial de voz, violão de nylon, a cargo de Mário Gil, e percussão de poucos instrumentos, com ênfase nos instrumentos de couro, tocados por Cássia Maria.

Misto de mineira e paulista, criada em Petrópolis (MG), com passagens em Ouro Preto para cursar Farmácia e bioquímica, Consuelo está radicada há 12 anos em São Paulo. Na capital paulista, estudou canto com Tuca fernandez, técnica vocal com Consiglia La Torre; violão com Jean Garfunkel e percussão com Ari Colares, além de preparação vocal com Madalena Rodrigues.

Com ouvido musical formado entre congado, folia de reis, moçambique e carnaval que acompanhava em Pratápolis desde a infância, a música de serestas, concertos eruditos e música contemporânea mineira que agregou às suas influências nos anos 80; Consuelo passou pelo menos dez anos burilando um estilo próprio, onde a busca da essência de cada composição revela esquilíbrio e maturidade, sem esquecer a cada vez mais rara opção pela beleza da arte.

Com onze faixas e pouco mais de 30 minutos de duração, Tambor & Flor é o segundo capítulo de uma trilogia que ultrapassa os limites da dobradinha Minas/São Paulo.

Mesmo lembrando a mineira Titane em momentos como (Rainha/ Tema da Cachoeira), com versos de congado e moçambique aprendidos em Poços de caldas e Sete Lagoas, e Pedaço de Deus, dedicada ao Grupo Beco do Carmo, de Ouro Preto, Consuelo vai além. Recupera a via afro carioca de Clementina de Jesus em Moro na Roça, traz do Pará influências de fado, choro e das mornas do Cabo Verde na canção Rouxinol (Tema de Teotônio) inspirada numa alegoria paraense, e busca no reisado alagoano a tradicional Deusa da Lua em Maria del Carmen, inspirada numa poeta argentina, contemporânea em De Flor em Flor, de Mário Gil nostálgica na vinheta Cinco Estrelas, que aprendeu com o pai. Consuelo dá mais uma aula de concisão e pertinência, num disco que surge, desde já, como um dos melhores do ano.

Estado de Minas - Terça-feira, 19 de fevereiro de 2002

CULTURA